
@ TAnOTaTU
2025-03-03 23:51:52
A análise marxista de **Carl Schmitt** (1888–1985), jurista e teórico político alemão conhecido por sua defesa do **decisionismo autoritário** e da **soberania excepcional**, deve situar sua obra no contexto das contradições do capitalismo monopolista e da crise do Estado liberal. Schmitt, que flertou com o nazismo e desenvolveu uma crítica corrosiva à democracia liberal, é frequentemente associado à **teoria crítica da ideologia** marxista, pois sua obra revela como o direito e o Estado servem para legitimar a dominação de classe em momentos de crise estrutural. Sua noção de "exceção" e "inimigo político" não apenas reflete a instabilidade do capitalismo tardio, mas também oferece ferramentas para a **repressão das lutas emancipatórias**.
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### **1. Contexto histórico: capitalismo em crise e ascensão do fascismo**
Schmitt escreveu durante a crise da República de Weimar (1919–1933), um período de turbulência econômica (hiperinflação, desemprego) e polarização política (ascensão do comunismo e do nazismo). Sua obra reflete a tentativa da **burguesia alemã** de encontrar um "terceiro caminho" entre a revolução proletária e a democracia liberal decadente.
- **Marxismo e crise do Estado liberal**: Para Marxistas como **Antonio Gramsci**, a crise de Weimar evidenciava a incapacidade da democracia burguesa de gerir os antagonismos de classe. Schmitt, ao defender um **Estado forte** capaz de suspender normas em nome da ordem, oferecia uma saída autoritária para a burguesia, que temia a revolução social.
- **Fascismo como "solução"**: Schmitt inicialmente apoiou o nazismo, vendo nele um meio de restaurar a soberania contra o "caos" parlamentar. Seu conceito de **estado de exceção** (em *Teologia Política*, 1922) antecipou a suspensão de direitos e a centralização de poder no regime hitlerista.
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### **2. A crítica schmittiana ao liberalismo e sua função ideológica**
Schmitt atacava a "neutralidade" do liberalismo, argumentando que o Estado moderno é sempre **político**, ou seja, fundado na distinção entre **amigo e inimigo** (*O Conceito do Político*, 1932). Do ponto de vista marxista, essa crítica, embora perspicaz, serve para **reproduzir a hegemonia burguesa**:
- **A ilusão da neutralidade**: Schmitt denuncia a pretensão liberal de separar política, moral e economia, mas ignora que o "inimigo" que ele identifica (ex.: comunistas, sindicatos) é sempre o **proletariado organizado**, cuja luta ameaça a propriedade privada.
- **Decisionismo e classe dominante**: A ideia de que a soberania reside em quem decide sobre a exceção (*soberano é quem decide sobre o estado de exceção*) mascara o fato de que, no capitalismo, essa decisão é tomada pela **burguesia monopolista** para proteger seus interesses. Schmitt, ao personalizar o poder, desvia a atenção da estrutura de classes.
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### **3. A "exceção" como normalidade do capitalismo**
Schmitt via a exceção (suspensão da lei em nome da ordem) como um momento constitutivo do Estado. Para o marxismo, isso reflete a **lógica do capitalismo em crise**, que periodicamente requer intervenções autoritárias para conter revoltas sociais:
- **Exceção e acumulação primitiva**: A história do capitalismo está repleta de estados de exceção para suprimir a resistência proletária (ex.: leis antissindicais, golpes militares). Schmitt teoriza essa prática como "natural", legitimando-a.
- **Neoliberalismo e exceção permanente**: Hoje, regimes como o de Pinochet no Chile (1973–1990) ou a "guerra ao terror" dos EUA usam a exceção para impor políticas de austeridade e reprimir movimentos sociais, seguindo a lógica schmittiana.
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### **4. Schmitt e a ideologia do "inimigo político"**
A distinção entre amigo e inimigo, central em Schmitt, é **uma ideologia que divide a classe trabalhadora** e desvia o conflito real (capital vs. trabalho):
- **Inimigo interno e externo**: Schmitt justificava a perseguição a comunistas, judeus e outros grupos como "inimigos existenciais", uma estratégia clássica da burguesia para desviar a luta de classes.
- **Racismo e imperialismo**: Sua visão de "grande espaço" (*Grossraum*) influenciou a geopolítica nazista, mas também reflete a lógica imperialista de dominação, que Marx já denunciava em *O Capital* como "a velha raposa do direito internacional".
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### **5. Crítica marxista ao decisionismo autoritário**
Marxistas como **Franz Neumann** (em *O Estado Democrático e o Estado Autoritário*) e **Theodor Adorno** viram em Schmitt um **ideólogo do capitalismo monopolista**:
- **Decisionismo e fascismo**: Neumann argumentava que o decisionismo schmittiano era funcional ao capital financeiro, pois permitia ao Estado impor "ordem" sem democratizar as relações de produção.
- **A falácia da neutralidade científica**: Schmitt apresentava sua teoria como "científica", mas ela servia para legitimar a barbárie do capitalismo tardio (ex.: Holocausto, colonialismo).
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### **6. Conclusão: Schmitt como arauto da contrarrevolução**
Carl Schmitt é, para o marxismo, um **teórico da dominação de classe em tempos de crise**. Sua obra:
- **Naturaliza a exceção**: Apresenta a repressão como necessária à "ordem", ocultando que a ordem capitalista é caótica e exploradora.
- **Legitima o autoritarismo**: Oferece ferramentas ideológicas para justificar golpes, fascismos e regimes neoliberais que atacam direitos sociais.
- **Desvia a luta de classes**: Ao focar no "inimigo político", desvia a atenção da exploração capitalista e divide os oprimidos.
Como escreveu **Walter Benjamin**, contemporâneo de Schmitt, *"o Estado de exceção é hoje a regra"*. Schmitt não apenas descreveu essa realidade, mas a **teorizou a serviço da contrarrevolução**, tornando-se um símbolo do pensamento reacionário que o marxismo deve combater. Sua obra, no entanto, é valiosa para os marxistas na medida em que revela as entranhas autoritárias do Estado burguês — desde que lida com a crítica materialista que ele próprio rejeitava.