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Hypatia de Alexandria (c. 355/370–415 d.C.) é uma figura icónica da Antiguidade tardia, cuja vida e obra representam um marco na história do pensamento ocidental. Como filósofa, matemática, astrónoma e professora, foi uma das últimas grandes representantes da tradição intelectual helenística em Alexandria, num período de intensas transformações culturais e religiosas. O seu trabalho, profundamente enraizado no neoplatonismo e influenciado pelo pitagorismo, reflete uma visão do mundo que unia ciência, filosofia e espiritualidade. A sua morte trágica, associada às tensões religiosas e políticas da época, adiciona uma camada de complexidade à sua história, levantando questões sobre o papel do cristianismo emergente. Abaixo, exploro detalhadamente o seu envolvimento com o platonismo e o pitagorismo, a sua vida pessoal, as áreas de estudo, curiosidades, os eventos da sua morte, as razões por trás dela, a relação com o cristianismo e uma crítica ao movimento cristão da época.

Trabalho no Platonismo e Pitagorismo

Platonismo e Neoplatonismo

Hypatia era uma neoplatónica, pertencente à escola filosófica que reinterpretava as ideias de Platão (século IV a.C.) através da lente de Plotino (século III d.C.). O neoplatonismo postulava a existência de uma realidade suprema, o Uno, de onde emanavam todas as coisas, incluindo a Mente (Nous) e a Alma. Para os neoplatónicos, o objetivo da vida era a ascensão espiritual da alma em direção ao Uno, alcançada por meio da contemplação filosófica, do estudo racional e da prática da virtude. Hypatia, como líder da escola neoplatónica de Alexandria, ensinava estas ideias, provavelmente comentando textos de Platão, como o Timeu, que explora a cosmologia e a geometria como reflexos da ordem divina, ou o Fedão, que discute a imortalidade da alma. Os seus ensinamentos também incluíam as obras de Plotino, cujas Enéadas detalhavam a estrutura metafísica do cosmos. O neoplatonismo de Hypatia era mais prático e menos místico do que o de outros pensadores, como Porfírio ou Jâmblico. Ela enfatizava a razão e a ciência, utilizando a filosofia como uma ferramenta para compreender o universo, em vez de se focar em práticas teúrgicas (rituais místicos) que alguns neoplatónicos adotavam. A sua abordagem ao platonismo era profundamente interdisciplinar. A geometria platónica, que via nas formas perfeitas (como o círculo ou o triângulo) reflexos do mundo das Ideias, influenciava os seus estudos matemáticos e astronómicos. Hypatia provavelmente ensinava como os sólidos platónicos (tetraedro, cubo, etc.) descritos no Timeu representavam os elementos do cosmos, ligando filosofia e ciência.

Pitagorismo

O pitagorismo, iniciado por Pitágoras no século VI a.C., teve um impacto significativo no trabalho de Hypatia. Os pitagóricos acreditavam que o universo era governado por números e proporções matemáticas, uma ideia resumida na frase “tudo é número”. Esta visão ressoava no neoplatonismo, que via na matemática uma ponte entre o mundo material e o divino. Hypatia, como matemática, aplicava princípios pitagóricos nos seus estudos. O seu trabalho em astronomia, que envolvia o cálculo de órbitas planetárias, refletia a crença pitagórica na “harmonia das esferas” – a ideia de que os corpos celestes produzem uma música cósmica baseada em proporções matemáticas. Ela terá usado o astrolábio, um instrumento para medir a posição dos astros, para ensinar ou investigar esta harmonia.

O pitagorismo valorizava a geometria como uma forma de contemplação espiritual. Hypatia, que comentava obras como os Elementos de Euclides, provavelmente explorava como as relações geométricas (como a proporção áurea) refletiam a ordem divina. O seu suposto trabalho no hidrómetro, um dispositivo para medir a densidade de líquidos, também pode ter sido influenciado pela ênfase pitagórica na medição e na precisão. Uma curiosidade é que os pitagóricos tinham uma forte componente ética, promovendo a disciplina, a moderação e até o vegetarianismo. Embora não saibamos se Hypatia seguia estas práticas, a sua reputação de virtude e autocontrolo, descrita por fontes como Sócrates Escolástico, sugere que ela incorporava elementos éticos do pitagorismo na sua vida.

Vida Pessoal

Os detalhes sobre a vida pessoal de Hypatia são escassos, pois as fontes primárias, como as cartas de Sinesius de Cirene ou os relatos de Sócrates Escolástico, focam-se na sua persona pública. Ainda assim, é possível traçar um retrato com base no contexto histórico.

Infância e Educação

Hypatia nasceu em Alexandria, provavelmente entre 355 e 370 d.C., numa família intelectual. O seu pai, Theon de Alexandria, era um matemático e astrónomo de renome, responsável pela edição de textos como os Elementos de Euclides e a Almagest de Ptolomeu. Theon foi proportionate sua principal mentor, educando-a em matemática, astronomia e filosofia desde tenra idade. Ao contrário de muitas mulheres da época, Hypatia teve acesso a uma educação completa, refletindo o ambiente progressista de Alexandria e a visão de Theon de que a sua filha deveria ser uma “filósofa perfeita”.

Vida Adulta e Papel Público

Hypatia nunca casou, uma escolha que pode ter sido motivada pelo seu compromisso com a filosofia, numa tradição semelhante à dos pitagóricos, que valorizavam a independência intelectual. Ela vivia de forma ascética, dedicando-se ao estudo e ao ensino. Como professora, atraía alunos de toda a bacia mediterrânica, incluindo Sinesius de Cirene, que se tornou bispo cristão, mas manteve admiração por ela. A sua casa e a escola onde ensinava, possivelmente ligada à Biblioteca de Alexandria ou ao Museion, eram centros de debate. Hypatia dava aulas públicas, muitas vezes vestida com o tribon, uma capa filosófica que simbolizava a sua autoridade. Esta visibilidade pública era rara para uma mulher e demonstra o respeito que inspirava.

Relações e Influência

Hypatia mantinha laços com figuras poderosas, como Orestes, o governador romano de Alexandria, a quem aconselhava. Esta proximidade colocou-a no centro de conflitos entre Orestes e Cirilo, o bispo cristão, que procurava consolidar o poder da Igreja. A sua neutralidade religiosa – ela era pagã, mas ensinava cristãos e pagãos sem discriminação – não a protegeu das tensões crescentes.

Curiosidades sobre a Vida Pessoal

A “Virgem Filósofa”: Hypatia era descrita como casta, reforçando a sua imagem de pureza intelectual. Uma anedota, narrada por Damáscio, conta que, quando um aluno se apaixonou por ela, Hypatia lhe mostrou um pano manchado com o seu sangue menstrual, dizendo que o amor físico era inferior ao amor pelo conhecimento.

Correspondência com Sinesius: As cartas de Sinesius revelam o respeito que ele tinha por Hypatia, pedindo-lhe conselhos sobre instrumentos como o astrolábio.

Estilo de Vida: Hypatia conduzia a sua própria carruagem pelas ruas de Alexandria, um ato de independência incomum para uma mulher.

Áreas de Estudo

Hypatia era uma polímata, abrangendo várias disciplinas: Matemática: Comentava a Aritmética de Diofanto, os Elementos de Euclides e a Cónica de Apolónio, que explora curvas como a elipse.

Astronomia: Estudava os movimentos celestes, provavelmente usando o sistema de Ptolomeu, e trabalhava com o astrolábio.

Filosofia: Ensinava metafísica, ética e cosmologia neoplatónica, com foco em Platão e Plotino.

Engenharia: É creditada pela melhoria de instrumentos como o hidrómetro e o astrolábio.

## A Morte de Hypatia: Como, Porquê e a Ligação ao Cristianismo

Como Hypatia Morreu

Hypatia foi assassinada em Março de 415 d.C. por uma turba de cristãos fanáticos em Alexandria. Segundo Sócrates Escolástico, um historiador cristão contemporâneo, ela foi atacada enquanto regressava a casa. A turba, composta por monges e seguidores cristãos, arrastou-a da sua carruagem, levou-a para uma igreja chamada Cesário e matou-a brutalmente. Os relatos indicam que ela foi despida, esquartejada com cacos de cerâmica (ostraka) e os seus restos foram queimados numa pira pública. A violência extrema do ato chocou mesmo os contemporâneos, incluindo cristãos moderados como Sócrates, que lamentou o ocorrido.

Porque Foi Assassinada

A morte de Hypatia resultou de uma combinação de factores políticos, religiosos e sociais. Alexandria, no início do século V, era um caldeirão de tensões entre pagãos, cristãos e judeus, exacerbadas pela luta pelo poder entre as autoridades seculares e a Igreja cristã. O bispo Cirilo de Alexandria, uma figura influente e ambiciosa, procurava consolidar o domínio cristão, frequentemente em conflito com Orestes, o prefeito romano que representava o poder imperial e era próximo de Hypatia. Hypatia, como filósofa pagã e conselheira de Orestes, tornou-se um alvo simbólico. Embora não fosse abertamente hostil ao cristianismo, a sua identidade pagã, a sua influência intelectual e a sua associação com Orestes fizeram dela um bode expiatório para os apoiantes de Cirilo. Rumores circulavam entre os cristãos mais radicais de que Hypatia usava “magia” ou “feitiçaria” para manipular Orestes, uma acusação comum contra intelectuais pagãos na época. Estes rumores, aliados à retórica inflamada de figuras cristãs extremistas, incitaram a turba a agir. Embora não haja provas diretas de que Cirilo tenha ordenado o assassinato, as fontes sugerem que ele pelo menos tolerou ou incentivou indiretamente a violência. Sócrates Escolástico nota que o incidente trouxe “desonra” à Igreja de Alexandria, sugerindo uma responsabilidade implícita de Cirilo.

Relação com o Cristianismo

A morte de Hypatia está intimamente ligada ao cristianismo, mas não ao cristianismo como um todo, e sim a uma fação radical que emergia em Alexandria. No século V, o cristianismo estava em ascensão como religião oficial do Império Romano, após o Édito de Tessalónica (380 d.C.). No entanto, em Alexandria, a transição foi marcada por conflitos violentos, com cristãos fanáticos, como os monges parabolanos (um grupo de zelotes cristãos), atacando pagãos, judeus e até cristãos moderados. Hypatia, como pagã e símbolo do saber helenístico, representava uma ameaça para os cristãos que viam a filosofia pagã como incompatível com a doutrina cristã. A sua neutralidade religiosa e a sua popularidade entre cristãos e pagãos não a protegeram da perceção de que ela encarnava a resistência à hegemonia cristã. A sua morte é frequentemente interpretada como um marco no declínio da tolerância intelectual e na ascensão do dogmatismo religioso.

Crítica ao Movimento Cristão da Época

O movimento cristão em Alexandria, particularmente sob a liderança de figuras como Cirilo, merece uma crítica severa pelos seus métodos autoritários e pela promoção de uma cultura de intolerância que culminou em atos de violência como o assassinato de Hypatia. Embora o cristianismo tenha trazido contribuições éticas e espirituais significativas, a sua ascensão no século V foi frequentemente marcada por uma rejeição agressiva da diversidade cultural e intelectual time mundo helenístico. Fanatismo e Intolerância Religiosa: A fação cristã liderada por Cirilo adotou uma postura exclusivista, que via qualquer crença ou prática não cristã como uma ameaça. Esta mentalidade alimentou a destruição de templos pagãos, como o Serapeum em 391 d.C., e ataques contra intelectuais pagãos. A morte de Hypatia é um exemplo extremo desta intolerância, onde a razão e o diálogo foram substituídos pela violência bruta.

Instrumentalização Política da Religião: Cirilo usou a religião como uma ferramenta para consolidar o seu poder, manipulando as massas e os monges parabolanos para intimidar opositores, como Orestes. Esta politização do cristianismo comprometeu os ideais de caridade e humildade defendidos pelos evangelhos, transformando a Igreja numa força opressiva.

Supressão do Conhecimento: O ataque a Hypatia simboliza uma rejeição mais ampla do legado intelectual helenístico, que incluía a filosofia, a ciência e a matemática. Embora nem todos os cristãos fossem hostis ao saber clássico – muitos, como Sinesius, valorizavam-no –, a fação dominante em Alexandria via a educação pagã com suspeita, contribuindo para a perda de textos e tradições.

Hipocrisia Moral: A brutalidade do assassinato de Hypatia, cometido em nome de uma religião que pregava o amor ao próximo, expõe uma contradição gritante. O fato de o crime ter ocorrido numa igreja, um espaço supostamente sagrado, agrava a hipocrisia do ato.

Curiosidades Adicionais

**Símbolo da Ciência vs. Dogmatismo: **A morte de Hypatia é vista como um marco no declínio da ciência helenística. No entanto, alguns historiadores argumentam que o conflito foi mais político do que religioso, envolvendo rivalidades entre Orestes e Cirilo.

**Representações na Cultura: **Hypatia foi romantizada em obras como o romance Hypatia (1853) de Charles Kingsley e o filme Ágora (2009), que a retrata como mártir da razão.

Perda dos seus Escritos: Nenhum texto original de Hypatia sobreviveu, mas o seu impacto é atestado por referências de outros autores.

Conclusão

Hypatia de Alexandria foi uma figura extraordinária, cuja obra no platonismo e pitagorismo uniu ciência, filosofia e espiritualidade. A sua vida, marcada por independência e dedicação ao saber, desafia as normas da época. A sua morte brutal, às mãos de uma turba cristã incitada por tensões políticas e religiosas, simboliza o choque entre a razão helenística e o fanatismo emergente. A crítica ao movimento cristão de Alexandria, liderado por Cirilo, destaca a intolerância e a instrumentalização da religião, que traíram os ideais cristãos e sufocaram o diálogo intelectual. Hypatia permanece um símbolo eterno da busca pelo conhecimento e da resistência face à opressão.