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@ Rafa Borges
2025-05-27 23:57:01Quando adolescente eu acreditava na coerência da teoria de "amor líquido" do polonês, sociólogo, Zygmunt Bauman, apresentada no livro "Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos", qual no meu amadurecimento em estudos, sejam eles no meio acadêmico ou fora, percebo como uma das formas mais rasas de explicar as mudanças e transformações dos padrões de relações sócio-afetivas dos humanos. A seguir colocar-me-ei na minha juventude não tanto recente, direi então que nós, se adolescentes e conservadores, ou mesmo jovens adultos mais conservadores, costumamos levar como dogma uma óptica decadentista generalizada de todos os avanços de eras dos homens, universalizamos por nos ser comum a indistinção entre humanidade e humanidades, ou mesmo "humanity" e "humankind" ("humanidade" como espécime e "humanidade" como um universal), compreendemos toda "essas" como "essa" e indistinguimos as sociedades para com os homens, ou seja, a incapacidade de definir os seres dentro de suas respectivas singularidades e especificidades nos leva ao decadentismo generalista (a crença de que de forma geral, e universal, a "civilização universal" decai moralmente, éticamente, materialmente e espiritualmente), que aparente à nós determinadas mudanças nas relações humanas quanto ao caráter sócio-afetivo, por falta de profundidade e critérios ainda sobre questões alinhadas aos métodos e coerências, ou incoerências, lógicas, nós se jovens e conservadores somos levados ao engodo de concordar com a teoria do amor líquido de Bauman, que devo cá explicar de antemão: trata ela, a teoria, o padrão de "amor" dos tempos presentes como frágil, de prazo (curto e médio) e diferente em grau comparativamente ao amor comum das eras passadas.
Aos jovens mais progressistas opera uma compreensão dialética sobre as eras dos homens nos seu tempo presente, na qual ao tempo que o ser progride ele também regride simultaneamente, ou seja, a medida que aparecem contradições advindas de transformações materiais da realidade humana o ser supera essas contradições e progride em meio as transformações, ainda fazendo parte da lógica dessa indissociavelmente, assim constantemente progredindo e regredindo, havendo para esses dois vetores de distinção: o primeiro é o que releva questões espirituais como ao caráter do pensamento "new age", o segundo ignora essas questões por negar a existência da alma, seguem ao materialismo. Cedem em crer na teoria baumaninana como dogma, pois não encontram outros meios para explicar as transformações da sociedade na esfera sócio-afetiva sem que haja confrontamento direto com determinadas premissas assim pertinemente presentes, ou por não conciliarem com análises relativamente superiores, como a de Anthony Giddens sobre a "relação pura" em "A Transformação da Intimidade" e de François de Singly apresentada em "Sociologie du Couple".
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Há um problema quando uma teoria deixa de assim ser para vir a tornar-se mais um elemento desconexo da ciência, agora dentro da cultura pop, se assim podemos dizer, ou da cultura de massa, ou se preferirem mesmo "anticultura", esse problema é a sua deformização teórica, tornando-se essa rasa para sua palatabilidade massiva, somada a incapacidade de partes da sociedade civil em compreender as falhas daquilo que já foi massificado. Tive surpresa ao entender que muitos outros compartilham da mesma opinião, a exemplo, possuo um amigo na faculdade, marxista, que ao falarmos sobre nossos projetos de pesquisa, citou ele o projeto de um de nossos colegas, no qual esse referido um de nossos colegas faria seu projeto com base na teoria do amor líquido de Bauman, então alí demos risada disso, ora, para nós a teoria baumaniana é furada, passamos a falar sobre Bauman e o motivo pelo qual não gostávamos, lá fiquei até surpreso em saber que mais gente além de mim não gostava da teoria de Bauman, pois ao que eu via na internet era rede de enaltecimentos à figura e à sua teoria, tal como fosse uma revelação partindo de alguma divindade da Idade do Bronze. Pouco tempo depois tive em aula de teoria política uma citação de Bauman partindo do professor que ministrava a disciplina, no entanto, ao citar o nome de Bauman o mesmo fez uma feição na qual aparentava segurar risada, provavelmente ele também não levava Bauman à sério. Não devo negar que todas as vezes que vejo o sociólogo sendo citado em alguma nota no X, no Instagram ou qualquer outra rede social, tal como fosse um referencial teórico bom, sinto uma vergonha alheia pois alí tenho uma impressão de que a pessoa não leu Bauman e usa o referencial teórico como um fato já assim provado e comprovado.
Há pontos positivos na teoria baumaniana, como a capacidade de perceber o problema e correlacioná-lo à modernidade, assim como sucitar a influência do que há de material no fenômeno, porém os erros são pertinentes: o primeiro problema é de categoria. Não há, por parte de Bauman noção alguma entre as dissociações dos amores, não há atenção sobre o amor como estrutura ou ele como um sentimento, todo ele é compreendido uniformemente como "amor", partindo do pressuposto que todas as relações, todas elas, são firmadas com base no amor. Essa crença tem uma origem: Hegel. Nos Escritos Teológicos Hegel partia da crença que o amor ligava os seres relacionalmente como uma força de superação e alienação, mas há de compreendermos que esse Friedrich Hegel é o jovem ainda pouco maduro em suas ideias e seu sistema de pensamento, mais a frente, em "Fenomenologia do Espírito e na Filosofia do Direito", Hegel compreende a institucionalidade do direito no amor e a institucionalização dessa força, assim aproxima-se da realidade a respeito da inserção do amor nas esferas práticas do humano, porém essa ideia, apesar de imperfeita, pois ao que sabemos não é o amor que consolida a relação, mas sim a Verdade (Alétheia), conforme apontado por Heidegger em "Ser e Tempo", essa ideia do amor como a fundamento das relações humanas influenciou, e até hoje influencia, qualquer análise sobre as relações humanas fora da esfera materialista, fora dessa pois, melhormente explicado em exemplo, os marxistas (em exemplo), assim como Marx, consideram como base primordial das relações as condições materiais.
Por certo, não é de todo amor a base para a solidificação, ora, erram aqueles que creem que somente essa força, assim apontada por Hegel, constituiam todos os relacionamentos formais como pilares fundamentais, pois em prática as famílias eram até a fiduciarização dessas, por mais paradoxal que seja, compreendidas melhor como instituições orgânicas de caráter legal do que conluios de afetividades. A família outrora tinha consigo aparelhos de hierarquia bem estabelicidos, quais prezavam pela ordem interna e externa, que acima dessa instituição estava somente a Igreja (outra instituição), com sua fiduciarização [da família] após o movimento tomado pelos Estados nacionais em aplicação do casamento civil mudou-se a lógica das partes que a compõe, findou-se o princípio da subsidiariedade (não intervenção de determinadas instituições nas decisões quais podem ser exercidas em resuluções de problemas nas competências de quaisquer instituições), foi-se então, contudo, também a autoridade, e nisso revela-se um outro problema não apontado na teoria de Bauman: qual o padrão do amor "sólido"? Pois, ora, sociedades tradicionais não abdicavam do relevar dos amores para tornar seus filhos em ativos nas práticas de trocas (dádivas)? É notório que esse padrão se dissocia do padrão de sentimento apontado por Bauman, encontramos esse fato em estudo nos trabalhos "Ensaio Sobre a Dádiva", do Marcel Mauss, e "As Estruturas Elementares do Parentesco", do Claude Levi-Strauss, quais expõem que nas sociedades "sólidas", tradicionais, relevava-se mais questões institucionais que as sentimentais para a formação de laços (teoria da aliança). Muitas das relações passadas não eram baseadas no amor, não significando assim que as de hoje, em oposição, sejam, mas que permanecem-se semelhantes em base, diferentemente em grau e forma.
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Ora, ainda existem casamentos motivados pela política, pelo status, pelo prestígio, pelos bens, pelo poder, pela influência familiar e assim sucetivamente, tal como no passado, ocorre que essa prática tornou-se oculta, não mais explícita e aparente, devo dizer ainda que em partes, pois prepondera em nosso tempo uma epidemia de adultérios, fornicações, práticas lascivas e demais práticas libertinosas explicitamente, em contraposição às práticas ocultas em vergonhas de sociedades sem declínio moral e espiritual, o que nos leva a questionar o método comparativo em dicotomia temporal "presente x passado" aplicado por Bauman, no qual segue-se da seguinte forma:
Transformação Passado = *sólido* | Presente = *líquido* Categorias Padrão de amor: tradicional (*sólido*) moderno (*líquido*) *Sólido* = estável, prazo (médio-grande), profundo, determinado. *Líquido* = instável, prazo (curto-médio), raso, indeterminado.
O que penso é: Zygmunt Bauman buscou uma explicação material e laical para desviar ao fato de que há uma notória correlação entre espiritualização da sociedade, se voltada à Verdade, com a estabilidade das instituições, o que é já reduzido à moral religiosa, somente, não à mística, como por pensadores da linha de Tocqueville, ou em abordagens também mais laical (positivista) porém ainda relevantes, como Émile Durkheim em "As Formas Elementares da Vida Religiosa" e Max Weber em "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", contrapondo uma abordage mais voltada, de fato, a espiritualidade, como Christopher Dawnson, que defende essa teoria em "Religião e o Surgimento da Cultura Ocidental", e Eric Voegelin, principalmente nas obras "A Nova Ciência da Política" e "Ordem e História".
Encerrando, minha cosmovisão é a católica, o sistema de crença e religião qual sigo é do Deus que se fez homem por amor aos seus filhos, não posso negar ou mesmo omitir o fato de que, por trás de toda a minha crítica estão meus pensamentos e minhas convicções alinhadas àquilo que mais tenho amor em toda minha vida: a Verdade, e a Verdade é Deus, pois Cristo é a Verdade, o Caminho e a Vida, ninguém vai ao Pai se não por Ele, e pois bem, seria incoerência de minha parte não relevar o fato de crença como um dos motivos pelos quais eu rejeito a teoria do amor líquido de Zygmunt Bauman, pois os amores são todos eles praticados por formas, existem por diferentes formas e assim são desde sua tradicionalidade até o predomínio das distorções de declínio espiritual das eras presentes (e também antigas pré-Era Axial), estão esses preservados pelo alinhamento à verdade, assim são indistorcíveis, imutáveis, ou seja, amor é amor, não releva-se o falso amor como um, simplesmente não o é, assim o interesse, a sanha por bens, o egoísmo e a egolatria ("cupiditas", para Santo Agostinho de Hipona, em oposição ao que o santo e filósofo trata por "caritas") não são formas do amor, são autoenganos, não bons, se não são bons logo não são de Deus, ora, se Deus é amor, se ele nos ama, determino como amor (e suas formas) o que está de acordo com a Verdade. Aprofundando, a Teologia do Corpo, do Papa São João Paulo II, rejeita a "liquidez" apresentada por Bauman, pois o amor é, em suma, sacríficio, parte da entrega total de si ao próximo, e se não há logo não é amor. A Teologia do Corpo rejeita não os fundamentos de mentira no "líquido", mas também no "sólido", pois a tradicionalidade não é sinônimo de bom e pleno acordo com o amor que Deus pede de nós, não são as coerções, as violências, as imposições e demais vontades em oposição às de Deus que determinam os amores -- fatos em oposição ao ideário romanticizado. Claro, nem todas as coerções são por si inválidas do amor, ou mesmo as escolhas em trocas racionalizadas, a exemplo do autruísmo em vista da chance da família ter êxito e sucesso, ou seja, pelo bem dos próximos haver a necessidade de submissão a, em exemplo, um casamento forjado, ou algo do gênero, reconhece-se o amor no ato se feito por bem da família, porém o amor incutido, nesse caso, explicita o caráter sacrificial, no qual uma vontade e um amor genuinamente potencial em prazeres e alegrias são anulados, ou seja, mesmo nesse modelo tradicional na "solidez" há possibilidade do amor, não nas formas romanticizadas em critérios, como "estabilidade" e "durabilidade", mas no caráter do sacríficio exercido. Conforme nos ensina São Tomás de Aquino, o amor não é uma "força", tal como ensina Hegel, mas sim uma virtude teologal conforme na "Suma Teológica" (II-II Q. 26-28), não devemos reduzir o amor e os amores em análises simplórias (não simples) de falsa complexidade extraídas em métodos questionáveis e pouco competentes à real diensão de crise espiritual das eras, por esse motivo não concordo com a teoria do amor líquido de Zygmunt Bauman.