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@ talvasconcelos
2025-05-02 08:35:48O partido nacionalista Ergue-te apresenta uma crítica abrangente ao globalismo, ao multiculturalismo e às reformas sociais progressistas. O seu programa eleitoral para 2025 posiciona-se como uma defesa da “civilização portuguesa e europeia”, propondo o desmantelamento do enquadramento federal da UE, o regresso às leis de nacionalidade baseadas no ius sanguinis e a reversão de políticas que classifica como “ideologia de género” ou “suicídio cultural”.
Há que reconhecer ao Ergue-te a ênfase na soberania, na descentralização face a instituições supranacionais e na autodeterminação nacional—valores que ressoam com quem quer aproximar o poder das comunidades e afastá-lo de burocracias não eleitas. Mas o seu modelo de liberdade termina na fronteira nacional.
Uma vez resgatado o poder de Bruxelas, o programa do partido sugere que este seja centralizado em Lisboa—não para capacitar os cidadãos, mas para impor uma cultura nacional uniforme. O resultado não é descentralização, mas sim autoritarismo cultural sob uma bandeira nacionalista.
Descentralização da UE, Recentralização Interna
O Ergue-te rejeita o Tratado de Lisboa e defende uma confederação de nações europeias unidas apenas por acordos voluntários e revogáveis. Esta visão critica, com razão, a centralização crescente de poder na UE.
Contudo, embora o partido queira repelir o controlo externo, não demonstra o mesmo cepticismo em relação ao excesso de poder doméstico. Entre as suas propostas estão:
- Proibição da chamada “ideologia de género” em todas as escolas públicas.
- Revogação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, da despenalização do aborto e das leis da eutanásia.
- Reintrodução de linguagem binária e baseada no sexo biológico na educação cívica.
- Fim do financiamento público a organizações que promovam valores “não tradicionais”.
Estas medidas substituem o domínio externo por uma moralidade estatal imposta internamente. A liberdade cultural não está mais protegida por ser legislada em Lisboa do que por ser decidida em Bruxelas.
Soberania sobre a Cidadania, Não Liberdade dentro dela
O Ergue-te propõe alterar a lei da nacionalidade portuguesa para um modelo baseado no sangue (ius sanguinis), limitando o acesso à cidadania a imigrantes e seus filhos, independentemente da sua integração ou contribuição para a sociedade.
Com esta proposta, o partido desvaloriza o princípio de que a cidadania deve assentar em direitos e responsabilidades individuais—e não em linhagem. A soberania torna-se assim um mecanismo de exclusão, e não uma base de participação cívica.
Ordem Moral pela Lei
Apresentada como uma defesa da “vida e da família”, a política social do partido visa anular décadas de liberalização legal. Defende:
- Fim do financiamento público ao aborto, salvo em situações médicas urgentes.
- Revogação da legislação sobre eutanásia.
- Anulação do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Embora apresentadas como salvaguarda da tradição, estas propostas implicam a codificação legal de uma visão moral única, à custa da autonomia pessoal e do pluralismo. A liberdade de escolher o próprio modelo familiar, as crenças ou decisões médicas é rejeitada em favor da conformidade imposta.
Imigração e Islão: Política Culturalmente Direccionada
O programa do Ergue-te opõe-se abertamente ao multiculturalismo e alerta para a “islamização da Europa”. Defende controles fronteiriços mais apertados e a prevenção da imigração não europeia, com o objectivo de preservar uma “homogeneidade cultural”.
Este discurso, envolto em retórica identitária, abre caminho para a punição colectiva e exclusão cultural. Confunde imigrantes com ideologias, negando-lhes a oportunidade de serem avaliados pelo seu mérito ou conduta. Assume ainda que a cultura nacional é estática e frágil—em vez de algo que as comunidades constroem e renegoceiam livremente.
Defesa e Política Externa: Um Duplo Critério
O partido apoia uma capacidade de defesa europeia, mas apenas como associação subordinada às forças armadas nacionais. Aponta a soberania militar como resposta a potências como os EUA ou a China—mas é vago quanto à forma como o nacionalismo militarizado promove a liberdade ou a paz.
A segurança não pode servir de pretexto para mobilização permanente nem para uma política fechada sobre si mesma. A verdadeira independência exige diplomacia, resiliência e abertura ao mundo—não apenas músculo militar.
Conclusão: A Liberdade Exige Mais do que uma Bandeira
O Ergue-te apresenta-se como defensor da soberania. Mas o seu programa sugere que a soberania pertence ao Estado, e não ao indivíduo. Combate a influência externa, mas convida à imposição interna. Diz defender a tradição, mas fá-lo por via da coerção, não do consentimento.
Uma política centrada na liberdade permite que as pessoas vivam de forma diferente, não apenas que resistam a Bruxelas. Dá espaço para que as famílias se formem nos seus próprios termos, para que os imigrantes se tornem vizinhos, e para que os cidadãos debatam em vez de obedecerem.
Na sua busca por ordem e identidade, o Ergue-te oferece controlo—não liberdade.
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