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@ Tiago G
2025-01-24 12:56:29
Vivemos num tempo em que predomina a atitude de colocar a vida em serviço de culto ao “Eu”. Aqui por “Eu” entenda-se o ego e as suas manifestações que colocam o indivíduo no centro do seu mundo. Esta priorização do “Eu” revela-se de várias formas, dando á luz vários produtos sociais e culturais. Estas manifestações atuam de forma nociva na sociedade uma vez que desagregam e extinguem todo o tipo coesão social.
Uma sociedade é uma organização de pessoas que buscam uma finalidade comum. Quando a finalidade é primeiramente o serviço aos apetites individuais é cada vez mais provável que surjam conflitos de interesses e estes vão desunindo as pessoas. Desta forma a sociedade precipita-se para o declínio e consequente extinção, uma vez que já não é capaz de sustentar os seus princípios fundadores e a narrativa agregadora que estabelece a identidade da comunidade.
Pensemos numa família, quando os membros da família vivem para si e não para o outro, aqui personificado no esposo e nos filhos, a coesão familiar sai enfraquecida pois muitas serão as ocasiões nas quais os interesses imediatos do indivíduo colidem com os interesses da família. Isto leva a uma série de problemas, nomeadamente os que observamos cada vez mais na educação das crianças. Neste campo, observamos frequentemente um tempo escasso para o convívio e para a pedagogia de vida que os pais devem exercer. Dir-se-á que são as vicissitudes do mundo do trabalho, mas talvez devêssemos balancear essa ideia com a noção de que o materialismo também nos foi habituando a ter outras necessidades que os nossos avós não tinham, o que nos precipita a querer mais e a trabalhar mais e sobretudo fora de casa. Quero dizer que de facto podemos viver com menos e que esse menos no ponto de vista das condições materiais de vida pode significar mais em termos familiares.
Um outro campo em que se nota a primazia do “Eu” é nos relacionamentos em que nos habituamos a ver o outro como um servidor da nossa vontade e do nosso desejo. Confundimos facilmente o conceito de amor com uma troca comercial. Julgamos que aquilo que entregamos tem de ser retribuído, perdendo a noção de que é a nossa escolha entregar-nos a alguém e que como tal temos de enfrentar as consequências da nossa decisão. Nós devemos servir o outro assim como o outro deveria pensar da mesma forma, no entanto não controlamos a cabeça da outra pessoa portanto foquemo-nos sim naquilo que controlamos. Foquemo-nos em honrar as promessas que fazemos e aprender a viver em união com o outro.
![Narciso – Wikipédia, a enciclopédia livre](https://substackcdn.com/image/fetch/w_1456,c_limit,f_auto,q_auto:good,fl_progressive:steep/https%3A%2F%2Fsubstack-post-media.s3.amazonaws.com%2Fpublic%2Fimages%2F6535015b-4ac1-4699-a7af-0dd46cab9573_1200x1455.jpeg)*Narciso - Caravaggio*
Também no cuidado com os idosos se manifesta a primazia do “Eu”. Não são raros os casos de abandono e negligência para com aqueles a quem, para o bem e para o mal, devemos a nossa vida. Vemos cada vez mais idosos institucionalizados quando muitos poderiam estar com as suas respetivas famílias num ambiente familiar muito mais propício para o seu final de vida. As justificações multiplicam-se e novamente o trabalho surge como o fundamento, no entanto facilmente observamos que mesmo quando há tempo esse tempo não é dedicado aos idosos.
A taxa de natalidade é também um sinal da primazia do eu. A retórica pos-contemporânea assegura que ter filhos é um comportamento egoísta, especialmente nos tempos que vivemos. Seja por causa da narrativa climática, seja por questões de pobreza ou doença, essas pessoas defendem a não vida. No entanto, um olhar que guarda o apreço pela vida como algo sagrado é capaz de observar que a vida, mesmo em circunstâncias muito difíceis continua a valer a pena. O verdadeiro motivo que se esconde muitas vezes por trás desta retórica é invariavelmente a primazia do conforto.
Por trás destas opções de vida está também patente um abandono á cultura do sacrifício, que pressupõe a procura de algo que transcende o “Eu”. Nessa transcendência está a chave para encontrar um propósito, isto é uma missão para a vida. Além disso, está também a constatação de que na vida há aspirações e valores mais elevados que nos convocam a entregar a nossa vida, quer isto dizer abrir mão da procura do conforto e do prazer e abraçar por vezes o sofrimento, no entanto este sofrimento tem um propósito. O sacrifício individual não é seguramente a via mais fácil e conveniente, contudo é a única pois o viver para o ego é apenas uma ilusão. Quem vive para si, nem para si vive dado que não ama ninguém além de si próprio e isso não é amor.