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@ pollyanna
2025-04-14 12:38:12Pouco menos de um mês antes de sua morte, minha mãe escreveu um texto com suas reflexões sobre a carta dezesseis do conjunto de cartas que eu criei. Ela estava lendo com a fonoaudióloga que a atendia e me contou. Eu disse que queria ouvir a reflexão, e um dia ela gravou um áudio para mim.
A carta dizia assim:
Ajo como borboleta que vai contra a força da vida ao sair do casulo tentando controlar o modo como será vista. Não percebo que tudo o que precisa ser feito agora é me entregar às minhas próprias asas.
Se a borboleta sai do casulo para ser vista como idealiza, o que ela deixa de ver, o que ela deixa de nutrir na vida?
Um dos trechos do texto que ela escreveu era:
“Você pode me ver?”
E eu me pergunto: será que tenho coragem de vê-la por inteiro? Ver sem palavras, sem conceitos, sem julgamentos, sem projeções? Será que tenho coragem de apenas ver quem ela é?
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Outro dia, estava na casa dela - e o que mais me interessa sempre são seus cadernos - eu encontrei um que ainda não tinha visto. Parece que ela o usava em meados dos anos 90. Eu o abri e encontrei o nome Elizabeth Kubler Ross e eu tinha lido alguns livros dela alguns anos atrás, quando comecei a mergulhar em estudos sobre cuidados paliativos, morte e luto, então achei oportuno e li o que estava escrito:
“Depois de passar por todas as provas para as quais fomos mandados à terra como parte de nosso aprendizado, podemos nos formar. Podemos sair do nosso corpo, que aprisiona a alma como um casulo aprisiona a futura borboleta e, no momento certo, deixá-lo para trás. E estaremos livres da dor, livres dos medos e livres das preocupações… Livres como uma borboleta voltando para casa, para Deus… em um lugar onde nunca estamos sós, onde continuamos a crescer, a cantar, a dançar, onde estamos com aqueles que amamos e cercados de mais amor que jamais poderemos imaginar.” Elizabeth Kubler Ross, M.D (A roda da vida)
Antes de ouvir o que ela tinha escrito, eu disse que ela estava confiando na fonoaudióloga para se abrir e isso ia ajudá-la a florescer, ela emendou com “largar o casulo e virar borboleta”. Ela se sentia ainda emaranhada no casulo. No último ano ela falou algumas vezes sobre a necessidade de desapegar, sobre a única dificuldade dela ser soltar o apego a nós, os filhos dela. Mas ela foi fazendo o trabalho de soltar e soltar e soltar, até que se entregou às suas asas que sempre foram lindas e brilhantes a cada metamorfose em vida, e agora sendo vida.
Começo essa jornada, que ainda não sei o que será - embora tenha alguns desejos, com esses escritos, que ofereço à Vida, que já foi chamada de Glória e de minha mãe.