-
@ talvasconcelos
2025-04-07 15:35:08No dia 2 de Abril de 2025, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou um novo pacote abrangente de tarifas com o objectivo de combater os desequilíbrios comerciais e revitalizar as indústrias nacionais. Foi imposta uma tarifa geral de 10% sobre todas as importações, com taxas mais elevadas—34% para a China e 20% para a União Europeia—em preparação para entrar em vigor. O anúncio reacendeu debates antigos sobre proteccionismo, globalização e o futuro do dólar norte-americano.
Embora estas medidas possam parecer extremas, as tarifas são um instrumento tradicional da política comercial internacional. Países de todo o mundo, incluindo a União Europeia, utilizam-nas rotineiramente para proteger indústrias estratégicas, regular o comércio e gerar receitas. A UE, por exemplo, impõe há muito tempo taxas sobre produtos norte-americanos como bens agrícolas, maquinaria e têxteis. Em contrapartida, os EUA já taxaram importações da UE, como o aço, alumínio e aeronaves, em disputas comerciais.
O que distingue a proposta de Trump é a sua escala, ambição e o objectivo mais amplo: reestruturar a economia dos EUA. Por detrás desta estratégia está uma realidade económica mais profunda—moldada por décadas de défices comerciais, endividamento crescente e o papel do dólar como moeda de reserva mundial. Este artigo explora como estes factores se cruzam, por que razão os EUA se encontram numa posição precária, e se políticas como tarifas elevadas, taxas de juro baixas ou até o Bitcoin podem apontar o caminho a seguir.
As Raízes da Crise: Sobreconsumo e Desindustrialização nos EUA
Durante décadas, os Estados Unidos "viveram acima das suas possibilidades", acumulando um défice comercial que actualmente ultrapassa os 800 mil milhões de dólares por ano. Este desequilíbrio—em que o país compra mais do que vende ao exterior—é sintoma de um problema mais profundo. No pós-Segunda Guerra Mundial, os EUA eram uma potência industrial. Mas, a partir dos anos 70, e com maior intensidade nos anos 90, a globalização transferiu a produção para o estrangeiro. As empresas procuraram custos de mão de obra mais baixos e os mercados norte-americanos encheram-se de produtos fabricados fora.
Para sustentar este consumo, os EUA apoiaram-se na sua posição privilegiada: a emissão da moeda de reserva mundial. Isso gerou um ciclo de endividamento, com o país a pedir emprestado ao exterior para manter o nível de vida. O resultado? Desindustrialização. Fábricas fecharam e milhões de empregos na indústria desapareceram em estados como Ohio, Michigan e Pensilvânia.
Hoje, os EUA produzem muito menos—em proporção ao seu tamanho—do que há algumas décadas, mesmo mantendo um apetite crescente por importações. O défice comercial expõe uma fragilidade estrutural: um país cada vez mais incapaz de sustentar-se através da sua própria produção. Os dólares gastos fora regressam muitas vezes sob a forma de compras de dívida pública, perpetuando o ciclo.
À medida que os défices crescem e a economia depende cada vez mais de mecanismos financeiros do que da produção real, surge uma questão inevitável: até quando poderá a América continuar a comprar a crédito antes que o cartão seja recusado?
O Dilema de Triffin: Moeda Global vs. Potência Industrial
Imagine ser a única pessoa numa cidade com uma impressora de dinheiro que todos usam. Para satisfazer a procura, continua a imprimir e a enviar notas para o exterior—até que o seu próprio negócio local entra em decadência e se torna dependente dos outros. Esta é a essência do Dilema de Triffin, e a corda bamba que os EUA têm vindo a atravessar há gerações.
O dilema surge quando a moeda de um país é usada como padrão global. O dólar—utilizado mundialmente para transacções de petróleo, comércio e reservas—precisa de estar amplamente disponível. Essa abundância provém de défices comerciais persistentes por parte dos EUA.
Mas os défices têm um custo. Os dólares enviados para fora voltam como procura por bens estrangeiros, enfraquecendo a produção interna. Porque fabricar um produto em Detroit por 10 dólares, quando se pode importar por $2? Com o tempo, isto destrói a base industrial do país.
Esta não é uma preocupação teórica—é uma realidade histórica. O economista Robert Triffin advertiu nos anos 60 que um país não pode simultaneamente manter a sua moeda como padrão mundial e conservar uma base industrial sólida. Os EUA confirmaram essa previsão. Após a guerra, os dólares ajudaram a reconstruir a Europa e o Japão, mas esses mesmos países tornaram-se concorrentes industriais dos EUA em sectores como o aço e a indústria automóvel.
As fábricas abandonadas no Midwest e os teares silenciosos no sul são marcas visíveis desta troca. O domínio do dólar concedeu influência global à América, mas às custas da sua produção.
Espiral da Dívida: Obrigações Financeiras Crescentes dos EUA
Em 2025, a dívida federal dos EUA ultrapassa os 36 biliões de dólares ($36 000 000 000 000 000 000)—cerca de 108 mil dólares por cada americano, adultos, jovens, idosos. Durante anos, o acesso fácil ao crédito e a procura global por dívida americana mascararam os riscos. Agora, as fissuras estão à vista.
O problema não é apenas o montante—é o prazo e o custo de manter esta dívida. Grande parte dela é de curto prazo, exigindo refinanciamentos frequentes. Com o aumento das taxas de juro, os custos associados disparam. Só em 2024, os pagamentos de juros ultrapassaram 1 bilião de dólares—mais do que os orçamentos combinados de educação, transportes e habitação.
A “Lei de Ferguson”, proposta pelo historiador Niall Ferguson, afirma que quando os juros da dívida superam os gastos militares, o império está em declínio. Em 2025, os EUA gastam cerca de 900 mil milhões em defesa, e os encargos com juros já os ultrapassaram.
Este ponto de viragem trouxe problemas a impérios do passado—do Reino Unido após a Primeira Guerra Mundial até Roma no seu declínio. Hoje, cresce o cepticismo quanto à saúde fiscal dos EUA. Países como a China e a Rússia estão a reduzir as suas reservas em dívida americana, preferindo ouro, yuan ou outros activos.
Se mais nações seguirem o mesmo caminho, os EUA terão de escolher: continuar a endividar-se para sustentar o sistema ou aceitar um papel reduzido para o dólar na economia mundial.
Desdolarização: A Mudança Global Longe do Dólar
A desdolarização refere-se à tendência crescente de reduzir a dependência do dólar nas transacções comerciais, reservas e sistemas financeiros. Embora o dólar ainda domine, a sua supremacia está sob crescente pressão de novas potências económicas e tensões geopolíticas.
Porque Está o Mundo a Afastar-se do Dólar?
- Risco Económico: A volatilidade do dólar, agravada pela dívida e instabilidade política nos EUA, torna-o menos fiável como reserva de valor.
- Instrumento Geopolítico: O uso do dólar pelos EUA para impor sanções leva rivais a procurar alternativas.
Alternativas Emergentes
- Ouro: Bancos centrais estão a reforçar as reservas em ouro como protecção.
- Commodities: Petróleo e cereais começam a ser transaccionados em moedas alternativas—como vendas de petróleo em yuan pela Arábia Saudita.
- Criptomoedas: Bitcoin e outros activos digitais ganham terreno como reservas neutras e descentralizadas.
- Moedas Regionais: Os países dos BRICS desenvolvem sistemas de pagamento e discutem uma moeda comum para reduzir a dependência do dólar.
Um Declínio Lento, Mas Visível
A percentagem do dólar nas reservas cambiais mundiais caiu de 70% no ano 2000 para menos de 60% actualmente. O comércio em moedas não-dólar cresceu 25% desde 2020. O domínio do dólar persiste, mas o movimento de mudança é claro.
A Estratégia Económica de Trump em 3 Etapas
Em 2025, Trump apresentou uma estratégia económica audaciosa em três frentes:
1. Tarifas Elevadas para Revitalizar a Indústria
Uma tarifa de 10% sobre todas as importações, com taxas superiores para países com superavit comercial, visa incentivar a produção interna. Críticos alertam para o aumento de preços e inflação, mas apoiantes defendem que é necessário para reindustrializar.
2. Redução das Taxas de Juro para Gerir a Dívida
A administração pressiona a Reserva Federal para baixar as taxas, reduzindo os encargos da dívida pública. Isto levanta preocupações sobre a independência do banco central e a estabilidade monetária a longo prazo.
3. Bitcoin como Activo Estratégico de Reserva
Num passo histórico, Trump assinou uma ordem executiva para criar a Reserva Estratégica de Bitcoin e o Stock Nacional de Activos Digitais. O objectivo é diversificar as reservas e proteger contra a inflação.
Riscos e Compensações
A estratégia económica de Trump não está isenta de riscos:
- Inflação: Tarifas mais altas poderão aumentar o custo de vida.
- Polarização Política: Medidas controversas poderão acentuar divisões internas.
- Incerteza Económica: O proteccionismo pode afastar investimento e travar a inovação.
- Instabilidade Monetária: Um erro na gestão da dívida ou dos activos digitais poderá enfraquecer o dólar.
Estes riscos exigem gestão cuidadosa para evitar agravar os problemas existentes.
O Papel de Bitcoin: Protecção ou Último Recurso?
Integrar Bitcoin nas reservas nacionais é ousado—mas pode ser revolucionário, e a meu ver, inevitável!
Vantagens
- Escassez: Com oferta limitada a 21 milhões de unidades, Bitcoin é deflacionário.
- Descentralização: Resistente à censura e manipulação, reforça a soberania financeira.
- Alcance Global: Sem fronteiras, permite trocas neutras num mundo multipolar.
Desafios
- Volatilidade: As flutuações no curto prazo são ainda significativas, mas a adopção institucional pode estabilizar o preço.
- Regulação: O enquadramento legal está em evolução, mas tende para maior clareza.
- Adopção Técnica: Persistem desafios de escalabilidade, embora soluções como a Lightning Network estejam a amadurecer.
A Reserva Estratégica de Bitcoin pode revelar-se visionária—ou precipitada. Tudo dependerá da execução e da aceitação global.
Futuros Possíveis: Crise ou Reinvenção?
Os EUA estão perante uma encruzilhada histórica. Um caminho aponta para a renovação: revitalizar a indústria e adoptar activos digitais, como por exemplo as stablecoins para perpetuar a hegemonia do dólar, lastreado em Bitcoin. O outro conduz à crise—com inflação, instabilidade e perda de influência global.
Num cenário optimista, os EUA emergem como líderes industriais e digitais, com reservas diversificadas que incluem Bitcoin. A recente ordem executiva para adquirir Bitcoin de forma neutra ao orçamento é um sinal positivo.
Num cenário pessimista, menos provável com as medidas em curso, o país mergulha em dívidas, vê o dólar enfraquecer e perde coesão interna. Mas com visão estratégica e inovação económica, há margem para navegar os desafios com sucesso.
Conclusão
A América enfrenta uma oportunidade única de redefinir o seu destino económico. A estratégia de Trump—baseada em tarifas, taxas de juro baixas e Bitcoin—pode marcar o início de uma nova era de resiliência e recuperação industrial.
A inclusão de Bitcoin nas reservas nacionais mostra que os instrumentos tradicionais já não bastam. Ao abraçar os activos digitais e restaurar a produção nacional, os EUA podem recuperar a liderança económica mundial.
O caminho será difícil. Mas com ousadia e execução eficaz, os Estados Unidos não só podem recuperar—podem reinventar-se.